Concentração vai ser o próximo desafio para o sector

Através de fusões, auditorias conjuntas ou colaboração, a concentração de atividades deverá ser uma realidade para as sociedades de auditoria e revisores oficiais de contas em 2021. Pela sobrevivência.

Depois do impacto inicial da reforma de 2016, o sector de auditoria e dos revisores oficiais de contas encara agora uma nova fase, em que a crescente complexidade dos processos, as necessidades de investimento, o aumento dos custos e a margem decrescente da atividade obrigam a procurar sinergias e outra capacidade para enfrentar o mercado. Os agentes do sector ouvidos pelo Jornal Económico (JE) consideram que a evolução passará pela associação entre profissionais e sociedades, seja através de operações de concentração, seja através de parcerias. O universo preferencial deverá ser exterior às chamadas “Big 4”, o grupo das quatro maiores multinacionais da auditoria – Deloitte, PwC, EY e KPMG –, mas concentrar-se em sociedades de pequena e média dimensão. 
 
À primeira vista, numa área onde a preponderância das principais firmas cunhou um termo próprio, o espaço para concentração pode parecer limitado. No entanto, as alterações trazidas pela reforma europeia de 2016 levaram a que estas entidades privilegiassem, em muitos casos, a maior rentabilidade oferecida pelos serviços distintos de auditoria, que foram limitados no caso de clientes auditados, procurando criar espaço para outros players entrarem em cena. 
 
A diversidade e uma maior concorrência é, aliás, um objetivo declarado na União Europeia. 
 
O que está em causa não é uma mudança de paradigma. “O choque da alteração legislativa ocorrida em 2016 parece já ter sido absorvido, não sendo expectável, a curto prazo, uma reconfiguração no setor”, começa por afirmar ao JE Maria José Fonseca, diretora do mestrado em Auditoria e Fiscalidade da Universidade Católica do Porto. 
 
“A concentração em torno das ‘Big 4’ mantém-se, com o volume global de negócios destas quatro auditoras a subir, em média, cerca de 17%, entre 2017 e 2020. Contudo, este crescimento assentou essencialmente na prestação de serviços distintos de auditoria, que, no período considerado, aumentaram cerca de 27%, em detrimento dos serviços de revisão legal e auditoria de demonstrações financeiras, cujo peso relativo decresceu no conjunto das Big 4”, acrescenta. 
 
Assim, processos de concentração entre os principais nomes do sector são improváveis, visto, por um lado, não passarem numa análise custo-benefício perante as perturbações que uma operação desta natureza causa e, por outro, não serem algo que o mercado procure. 
 
O que se antevê é uma evolução para uma situação em que as empresas sejam, em média, maiores, com maior número de profissionais e outra capacidade de investimento. “Há lugar a concentração, mas não ao nível da Big4”, diz Paulo André, managing director da Baker Tilly, acrescentando que “a concentração, a acontecer, far-se-á a dois níveis: mid-tier e sociedades locais de auditores”. 
 
Paulo André baseia esta visão na necessidade do ramo de se modernizar e ganhar capacidade financeira, massa crítica e escala para fazer face às crescentes exigências da profissão, especialmente em empresas de menor dimensão, muitas delas com problemas de liderança e processos desatualizados. 
 
“Um processo de fusão é, para a esmagadora maioria destas sociedades [locais de auditores], uma saída para a sobrevivência”, através do acesso a “uma rede mais alargada que possa proporcionar maior conhecimento técnico, metodologias, credenciais e uma rede de firmas disponível para prestar serviços noutras geografias dos seus clientes multinacionais”, explica. 
 
Carlos Grenha, sócio-gerente da Oliveira, Reis & Associados, já tinha analisado ao JE que o mercado português está a sofrer mudanças e que a pandemia veio acelerar algumas tendências que já se verificam, que apontam para a concentração, que afetará, especialmente, “as sociedades mais envelhecidas ou com carteiras diminutas”. 
 
A questão é, mesmo, de sobrevivência, como a identifica o bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC), Virgílio Macedo, em entrevista ao JE (ver neste Especial). “Se não fizermos esse associativismo, muito provavelmente alguns de nós vão ficar fora do mercado e não vão ficar no mercado rentável, porque esse mercado vai estar cada vez mais restrito às empresas com mais capacitação”, afirma, para acrescentar que o mercado necessita de empresas de média dimensão, com capacidade para desenvolverem novas capacidades que são necessárias e agregarem recursos técnicos e humanos. “A necessidade de criarmos sociedades de revisores de média dimensão, com maior robustez, é um grande desafio que a nossa profissão vai ter”, considera. 
 
Fusões, parcerias e colaboração 
 
Nem sempre estamos, no entanto, a falar de fusões. Aliás, Virgílio Azevedo refere “associativismo”. Outra forma de ganhar escala que deve ganhar relevância nos próximos tempos poderá passar por acordos de colaboração de auditoria conjunta, de forma a aumentar o leque de serviços e respostas oferecidas pelas auditoras a clientes progressivamente mais diversos e exigentes. 
 
“A auditoria financeira tradicional parece já não corresponder à expectativa dos stakeholders, como revela a esmagadora maioria dos entrevistados num estudo recente realizado pela Mazars”, refere José Rebouta, Audit & Assurance Partner do grupo, que vê na concorrência um bom motor da inovação no sector. 
 
“É relevante equacionar mecanismos que permitam a entrada de novos operadores no mercado da auditoria que estimulem a concorrência entre um maior número de empresas oriundas de diferentes contextos culturais e técnicos, o que resultará numa maior inovação e numa melhor resposta às necessidades do mercado”, argumenta, reafirmando ainda, a defesa, “tal como o Regulamento Europeu de Auditoria o faz, da possibilidade de opção, não obrigação, da auditoria conjunta”. 
 
Esta posição assemelha-se à da União Europeia, que procurava com a reforma de 2016 criar as condições para a diversificação e inovação que se espera com o aumento da concorrência num sector. Ainda assim, no ramo de auditoria, a capacidade de colocar em prática estes ganhos continua a depender da escala do negócio, refere Maria José Fonseca. 
 
“Continua a verificar-se um grande desnível, em termos de indicadores de dimensão, entre as ‘Big 4’ e as pequenas e médias auditoras e, neste universo, é natural que ocorram algumas concentrações de empresas, designadamente para atingir massa crítica que permita fazer face às crescentes exigências da profissão”, constata. 
 
Para Ana Lopes, Assurance Lead Partner da PwC, “concentração no sector de auditoria não é uma expressão qua a União Europeia goste de ouvir”, mas os requisitos dos grandes grupos internacionais envolvem uma capacidade global que, neste momento, só as “Big 4” conseguem oferecer. Isto porque estes clientes “querem ter a segurança de conseguir ser acompanhados pelos seus auditores em qualquer parte do mundo para a qual se decidam expandir”. 
 
“Para essa diversidade de escolha poder aumentar vai ser necessária, se não concentração, pelo menos a criação de parcerias entre empresas de auditoria de diversos territórios, por forma a criarem uma network que lhes permita acompanhar os seus clientes em todas as geografias”, conclui Ana Lopes.
 
“Um processo de fusão é, para a esmagadora maioria destas sociedades [locais de auditores], uma saída para a sobrevivência”, afirma Paulo André, managing director da Baker Tilly.

InJornal Económico

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