Tax avoidance versus tax evasion

Os contribuintes, nomeadamente os contribuintes empresariais, precisam de dedicar cada vez mais atenção ao seu planeamento fiscal e ao seu «compliance» fiscal, tendo muito cuidado na forma como realizam e documentam as suas transações internacionais.

A «globalização» iniciada há mais de 20 anos deu oportunidade, a quem tem operações internacionais, sejam sociedades, sejam pessoas singulares, de planear as suas transações de forma a minimizar a sua tributação sobre os rendimentos, normalmente de forma legal: a chamada «tax avoidance», por contraposição ao planeamento fiscal ilegal, a chamada «tax evasion». Os paraísos fiscais já existentes antes, desde os anos 60 e 70 do século XX centrados nalguns locais de baixa tributação na Europa e alguns emergentes nas Caraíbas, foram rapidamente expandidos nos anos seguintes e passaram a ter um papel relevante no planeamento fiscal legal e ilegal de transações económicas internacionais.

As administrações fiscais desde o início perceberam os riscos que essa situação criava para as suas receitas tributárias e procuraram influenciar os políticos na criação de mecanismos que lhes permitissem controlar o «fenómeno». Portugal foi particularmente confrontado com a situação a partir de 1993 com o levantamento dos controlos cambiais inerente ao final do período de transição do controlo da circulação de capitais que lhe foi concedido após a adesão à CEE em 1986.

O fisco nacional foi certamente um dos mais preocupados com a questão e procurou controlar o fenómeno através, pelo menos, (i) dos mecanismos de retenção na fonte em pagamentos internacionais, (ii) do alargamento da rede de tratados de dupla tributação, (iii) da introdução de períodos de transição na adoção das diretivas europeias, (iv) da introdução de normas anti-abuso, (v) da criação da legislação sobre preços de transferência, (vi) do estabelecimento de uma lista de paraísos fiscais (com mais de 80 países e territórios) e (vii) da obrigação da divulgação do planeamento fiscal por várias entidades.

Todavia, só a profunda crise económica e financeira de 2008/09 e os elevados deficits e dívidas públicas trouxeram uma maior consciência da necessidade de atuar com vista a controlar o fenómeno da fuga fiscal e G7 e G20 acabaram por acordar na prioridade de atuar sobre a matéria. A OCDE foi o organismo internacional eleito para estudar e propor as medidas adequadas. E acabou por publicar, em 2013, um documento intitulado «Adressing Base Erosion and Profit Shifting», de onde derivou o acrónimo «BEPS», ou seja, um estudo da situação e um conjunto de medidas para combater a erosão das bases tributárias e a deslocação dos lucros (dos locais de mais alta tributação para os de menor, naturalmente).

Uma análise exaustiva das medidas em causa não cabe neste artigo, mas elas distribuem-se por assuntos como (i) os desafios da economia digital, (ii) os efeitos dos instrumentos financeiros híbridos (ou seja, que são capital num dos lados e dívida do outro), (iii) o reforço das regras sobre empresas estrangeiras dependentes em relação aos níveis de dedução de gastos financeiros, (iv) as práticas de uso abusivo dos tratados de dupla tributação, promovendo maior transparência e enfatizando a substância, (v) prevenindo as situações em que se procura evitar a existência e a declaração de estabelecimento estável, (vi) assegurar que os preços de transferência correspondem com a efetiva criação de valor, (vii) melhorar as metodologias de recolha de dados ou criar novas metodologias para esse efeito, (viii) obrigar os contribuintes a declarar as suas práticas de planeamento fiscal (ix) reexaminar a documentação de preços de transferência, (x) tornar mais eficazes os mecanismos de resolução de disputas entre autoridades fiscais e (xi) criar um instrumento legal multilateral.

Uma análise cuidada da legislação fiscal e das obrigações de «compliance» que a Autoridade Tributária Portuguesa tem vindo a introduzir, evidencia bem como Portugal tem vindo a seguir ativamente as recomendações da OCDE sendo nalguns casos pioneiro na introdução de novas metodologias de recolha de dados e informação, incluindo o alargamento das situações de troca de informações fiscais e de aceitação da obrigatoriedade de cooperação com autoridades fiscais e judiciárias estrangeiras.

Por outro lado, passámos a ver algo que até há pouco tempo não ocorria: a troca de informações entre autoridades fiscais de forma espontânea, ou seja, sem ser a pedido, com base nas exigências colocadas sobre a identificação dos contribuintes em cada país e sobre os movimentos financeiros realizados, nomeadamente acima de certos valores mínimos, com base em obrigações de «compliance» colocadas ao sector financeiro.

Em conclusão, os contribuintes, nomeadamente os contribuintes empresariais, precisam de dedicar cada vez mais atenção ao seu planeamento fiscal e ao seu «compliance» fiscal, tendo muito cuidado na forma como realizam e documentam as suas transações internacionais. É certo que esse cuidado se traduzirá em maiores gastos com juristas, consultores fiscais e contabilistas, mas os riscos de não o fazer são cada vez maiores quer na probabilidade de uma inspeção fiscal detetar erros quer nos impactos financeiros que esses erros podem trazer.