Redundâncias condicionam contabilistas

Num sector onde a digitalização acelerou nos últimos anos, os profissionais continuam a queixar-se de uma burocracia excessiva que os afasta das suas atividades nucleares. Atração e retenção de talento é outro dos principais desafios.

Vários obstáculos continuam a condicionar a prática dos contabilistas certificados, como a retenção de talento ou a burocracia vista como excessiva por muitos agentes do sector, o que se reveste de uma importância acrescida numa altura em que a área abraça desafios como a digitalização ou a assimilação dos critérios ambientais, sociais e de governança (ESG) nos reportes financeiros das empresas. Estas foram algumas das ideias principais manifestadas pelos intervenientes na mesa redonda “Futuro da Contabilidade”, organizada esta segunda-feira pelo Jornal Económico com o apoio da PLMJ, e que contou com um discurso de abertura da bastonária da Ordem dos profissionais deste sector, Paula Franco.

A representante dos contabilistas certificados focou a sua intervenção na dificuldade em captar e manter recursos humanos qualificados e motivados nesta prática, reconhecendo que vários jovens da área de ciências económicas valorizam a importância de ganhar conhecimentos técnicos, mas revelando que se torna difícil reter estes trabalhadores, em grande parte pelas remunerações do sector.

“Este é um problema gravíssimo que teremos de ultrapassar, porque se não tivermos boas demonstrações financeiras não temos análises”, argumentou a bastonária, realçando a importância acrescida que terão os contabilistas no novo paradigma dominado pelos critérios ESG. Assim, cabe aos contabilistas “trazer fiabilidade para esta informação não-financeira”, que abrange “questões muito abstratas e difíceis de quantificar”.

Por outro lado, a digitalização é outra das tendências claras do sector, embora Paula Franco veja ainda “um caminho grande a percorrer”, especialmente junto dos micro e pequenos empresários, para que não se aprofunde a diferença a nível tecnológico entre as empresas com maior escala e as micro, pequenas e médias empresas (PME).

Cláudio Carneiro, business manager da Cloudware, aprofundou este tópico, relembrando os ganhos para o contabilista em termos de organização do seu tempo, permitindo um maior foco nas tarefas que constituem o núcleo da sua atividade. Isto, prosseguiu, foi mais claro durante a “confusão enorme” gerada com as constantes alterações legislativas relativas às medidas de apoio pandémicas ao tecido empresarial.

Além do acompanhamento das operações dos clientes, a transição digital do sector possibilita uma aceleração na vida das empresas, incluindo “facilitar a abertura do negócio”, destacou Mário Moura, diretor executivo da Mário Moura Contabilidade. Ao mesmo tempo, novas realidades como os criptoativos, blockchain ou os critérios ESG também exigem a adoção destas ferramentas, completou.

“O papel do contabilista é uma evolução face a uma postura mais conservadora e tradicional que tinham, muito por intervenção externa”, considera Luís Batista, partner e head of Outsourcing da Mazars, ilustrando a mudança na atividade que a tecnologia garante. Como tal, os contabilistas podem “deixar de ter uma posição passiva” para acompanhar mais de perto os negócios dos seus clientes.

A importância deste papel é reforçada pelo facto de o contabilista ser, muitas vezes, “a única pessoa que contacta regularmente [com a empresa] vinda de fora”, dando alguma racionalidade acrescida aos negócios.

Ainda assim, para que os ganhos de eficiência sejam maiores, é necessário uma agilização de procedimentos também do lado do Estado. Isaque Ramos, advogado e sócio da área de Fiscal da PLMJ, realçou o “tempo que se leva a cumprir obrigações fiscais” em Portugal, que o Banco Mundial estima em 243 horas anuais. Isto “compara com 50 horas na Estónia ou 95 na Lituânia”, precisou.

Isto cria ineficiências na prática, argumenta Armando Inocentes, partner do Grupo Moneris, acrescentando um “conjunto de redundâncias que poderiam ser eliminadas” no que respeita à obrigação de reporte financeiro das empresas e que leva a que os contabilistas “continuem a trabalhar muito para o Estado”. 

Caberá aos contabilistas “trazer fiabilidade” para o reporte ESG, que abrange questões não-financeiras “muito abstratas e difíceis de quantificar”, afirmou Paula Franco

In Jornal Económico

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