Criptomoedas um futuro presente

Há momentos na história da Humanidade que serão relembrados como verdadeiramente transformadores.

A 31 de Outubro de 2008, nos primórdios da crise financeira, foi publicado um livro branco intitulado “Bitcoin: A Peer to Peer Electronic Cash System", por alguém que utilizava o pseudónimo Satoshi Nakamoto. A sua principal premissa seria defender a realização de transacções financeiras sem a necessidade de um intermediário, como um banco ou outras instituições financeiras. Em última instância, esta tornar-se-ia uma transferência de informação.

Actualmente, é possível enviar fotografias e vídeos quase instantaneamente e praticamente de graça, mas, se quisermos realizar uma transferência de dinheiro de Portugal para o Japão, esta irá demorar cerca de dois dias, pagar comissões bancárias diversas e custos de conversão da moeda, e só o podemos fazer em dias úteis. A tecnologia utilizada pela Bitcoin (BTC) é o blockchain que, de forma muito simples, podemos caracterizar como uma lista de transacções que, agrupadas em blocos que vão adicionando a blocos anteriores, pode ser visualizada e verificada por todos os utilizadores, já que o seu código é Open Source.

No entanto, a BTC é apenas uma das criptomoedas que utilizam esta tecnologia. Segundo dados do site CoinmarketCap, existem mais de 19 mil criptomoedas que utilizam o Blockchain ou desenvolvimentos desta tecnologia. A Bitcoin e a Ethereum são, de longe, as mais conhecidas, já que, em conjunto, representam mais de 60% do total da capitalização do mercado das criptomoedas. A tecnologia tem evoluído de uma forma exponencial e tem sido uma base para o desenvolvimento de novas aplicações em vários sectores. Exemplo disso são moedas digitais como a BTC, XRP, Dogecoin e Litecoin; plataformas de contratos inteligentes (Smart Contract Platforms), sendo as mais conhecidas a Ethereum (ETH), Cardano (ADA), Solana (SOL) e Polkadot (DOT); na área da interoperabilidade, a Quant (QNT); e nos jogos, a Enjin Coin (ENJ) e a Axie Infinity (AXS). Até no mundo do futebol, clubes como o Futebol Clube do Porto, a Juventus, o Barcelona eo Manchester City já aderiram à tecnologia com a emissão de tokens (representação digital da criptomoeda).

Outra área muito importante tem sido a das finanças, com as moedas DeFi (Decentralized Finances) ou finanças descentralizadas, que, de um modo geral, oferecem um conjunto de serviços que rivalizam com o nosso sistema bancário actual, tais como investir e receber juros, solicitar financiamentos, transaccionar activos financeiros de uma forma mais rápida, segura, barata e sem a necessidade de intermediários, que encarecem todo o processo. Entre as criptomoedas que usam tecnologia para estes serviços contam-se, por exemplo, a Wrapped Bitcoin (WBTC) ou a Avalanche (AVAX).

Um outro mercado que tem proliferado rapidamente é o dos NFT (Non Fungible Token). Basicamente, estes são um direito de propriedade sobre um activo digital. Como o seu nome indica, cada um é não fungível, ou seja, é único no mundo e pode ser utilizado para a autenticação da propriedade de activos digitais, tais como arte digital, músicas, vídeos, bilhetes de cinema e até mesmo um tweet. As utilizações podem ser variadas e os mais entusiastas da tecnologia afirmam que nos próximos anos o mercado dos NFT irá ser preponderante nas nossas operações. Ainda recentemente, verificaram-se problemas na final da Liga dos Campeões com a venda de bilhetes falsos. Com esta tecnologia, o problema, muito provavelmente, não existiria.

Mas como podemos comprar ou transaccionar criptomoedas? Primeiro, é necessário ter uma carteira digital associada a duas chaves: uma chave privada, que serve de password para aceder aos fundos, e uma chave pública, que constitui o endereço da carteira e que serve para terceiros enviarem moedas. O processo é muito idêntico a enviar um e-mail. Uma outra forma consistiráem abrir uma conta numa Exchange. As mais conhecidas são a Binance, Coinbase, Kraken, Huobi Global e Bitfinex. No entanto, estas plataformas não são necessárias para transaccionar criptomoedas, bastando uma carteira digital e chaves públicas para a realização de transacções. Uma das primeiras transacções em BTC teve lugar em 2010, quando um programador comprou duas pizzas por 10 mil BTC. Aos preços actuais, o valor total pago seria de cerca de 268 milhões de euros. Em Portugal, muito recentemente, registou-se o primeiro imóvel liquidado em BTC.

Podemos ainda adquirir moedas virtuais através de dois mecanismos: a Prova de Trabalho (Proof of Work) ea Prova de Participação (Proof of Stake). A primeira é utilizada pelas primeiras criptos, tais como a BTC ou ETH 1.0 (está em desenvolvimento a ETH 2.0), e consiste num processo denominado mineração, no qual, através de um processo de resolução de problemas, os “mineiros” ganham o direito de criar blocos na Blockchain, assim conquistando tokens. 0 grande problema deste processo é que a quantidade de energia necessária é enorme, o que o torna pouco atractivo, mesmo em questões ambientais. É por este motivo que em alguns países a mineração está já a ser proibida. Adicionalmente, os programadores verificaram que, com a quantidade de novas aplicações a serem desenvolvidas, a própria rede iria sofrer limitações. As novas criptomoedas têm utilizado a Prova de Participação, que consiste em contribuir com criptomoedas e aceder à oportunidade de validar novas transacções. Éa própria rede que, através de critérios variáveis, atribui essa possibilidade e, consequentemente, a recompensa. Em termos práticos, podemos considerá-lo quase como fazer um depósito e receber os juros. Só que os juros são mais criptomoedas.

Utilizado maioritariamente por jovens, alguns analistas financeiros têm recomendado alocar uma parte do património em criptomoedas. Como qualquer outro activo, o preço é fortemente influenciado pela lei da oferta e da procura. Por exemplo, a BTC obteve uma subida exponencial desde a sua criação e criou muitos milionários. No entanto, a volatilidade destes activos é tão grande que, tal como cria fortunas muito rapidamente, também as destrói. Uma outra moeda digital muito conhecida, até pelo facto de no momento de elaboração deste artigo estar a ser alvo de um processo por parte da SEC (Securities Exhance Commision), a congénere norte-americana da Comissão de Valores e Mercado (CMVM), a Ripple (XRP), registou o seu valor mais alto (ATH - All Time High) há cerca de quatro anos e está actualmente a perder cerca de 88% do seu valor. A BTC está a perder cerca de 57% e a Ethereum (ETH) 63%. Mais recentemente, um episódio abalou o mercado, associado à criptomoeda Terra Classic. Como pode ser observado no gráfico, em meados de Abril cada token valia mais de 100 euros, tendo o preço afundado em meros dias.

Estes exemplos mostram que as criptomoedas precisam ainda de estabilizar o seu preço de forma a serem uma alternativa viável para investidores mais avessos ao risco.

Em países em que os sistemas financeiros são consistentes e as moedas nacionais são estáveis, a procura por estes activos não tem a mesma importância que em países em que o contrário acontece. Em geografias como a Argentina, o Zimbabué ou mesmo a Venezuela, a moeda nacional sofre fortes desvalorizações, devido a valores elevados de inflação derivados da impressão desenfreada de dinheiro por parte dos seus governos, prejudicando aforradores e pensionistas. Nestes casos, existem vários exemplos de pessoas que transferiram as suas poupanças para BTC e conseguiram manter o seu poder de compra. Entretanto, temos assistido, nos países ocidentais, a uma inflação que não era tão alta há pelo menos 20 anos, o que levantou novamente a questão de investir nestes activos.

Quanto à fiscalidade, em termos de IRS, em alguns países a tributação dos rendimentos obtidos já começou a ser efectuada, sendo que em Portugal o assunto está ainda em discussão. Assim, à data de elaboração deste artigo, existe a possibilidade de esta se tornar uma actividade profissional enquadrada em rendimentos da categoria B. Quanto ao IRC, estamos também numa “área cinzenta", sendo que alguns autores defendem a sua tributação aplicando os termos presentes no Sistema de Normalização Contabilística (SNC) e as Normas Internacionais de Contabilidade no apuramento do resultado tributável.

Vivemos numa era digital, sendo o surgimento de moedas digitais apenas uma evolução natural. É algo que os próprios bancos centrais já interiorizaram e estão em curso vários desenvolvimentos para a criação de moedas digitais disponibilizadas por estas entidades. As chamadas CBDC (Central Bank Digital Currency) são nada menos que a resposta que estas instituições têm desenvolvido de forma a acompanharem esta evolução.

Tal como já referido, a tecnologia está em constante evolução. A criptomoeda Hedera (Hbar) é o caso mais visível desta evolução. Através da tecnologia Hashgraph resolve grande parte dos principais problemas inicialmente identificados, tais como a velocidade das transacções, os fees cobrados por transacção e o consumo de energia. Por isso finalizo com a frase presente em Hedera.com: “Hello Future.'

In Revista Risco

RB1
RB2
RB3
RB4

Contacte-nos